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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

VELHO ANDARILHO



C
ontavam os antigos, que numa rua da cidade, chutando pequenas pedras e recolhendo latas de alumínio, o velho andarilho não passava despercebido pelas pessoas que apressadas não paravam para conversar com ele, ou simplesmente lhe dar um “bom dia”, um “como vai”, um “como tem passado”.
       Ele seguia em frente...todos os dias, a mesma rotina.
       Ninguém sabia a quanto tempo ele vivia na rua. Tinha gente que tinha nascido e morrido, e ele já vivia na rua.
       Dizem que no passado, havia sido um homem muito importante daquela cidade e que perdeu tudo por causa do amor.
       Não era de falar muito, tinha cabelos brancos compridos, barba branca comprida, bem ao velho estilo hippie...mas fazia tempo que havia deixado o sexo, as drogas...o rock n roll...bem...esse estava dentro dele.
       De certa forma, era uma pessoa gentil, pois gostava das crianças que implicavam com ele, chamando o de Beato Conselheiro, e realmente, ele lembrava o Beato Antonio Conselheiro, mas sem a veste; ninguém nunca o viu em confusão, ou bêbado, ou drogado. Ficava horas sentado olhando o mar e os navios que chegavam no Porto de Vitória-ES, abria os braços como se quisesse abraçar tudo o que via, e sem nada dizer saia correndo.
       Até hoje ninguém sabe ao certo o nome dele, por isso, irei chamá-lo como as crianças fazem: Beato Conselheiro.
       A primeira vez que eu o vi, ele estava fazendo um discurso inflamado na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória-ES, depois que um pastor com cara de poucos amigos, olhando para ele disse que ele era a encarnação do Capeta. O Beato não gostou, mas educadamente, esperou a sua vez para falar. Como o pastor não lhe dava a vez para falar, levantou-se do banco onde estava e começou a fazer a sua defesa:
       - Caríssimo pastor, estimados transeuntes, irmãos moradores de rua. Gostaria de proferir algumas palavras em defesa própria: muito me estranha que um homem que se diz de Deus, faça acusações levianas a respeito de uma pessoa que não conhece, que não vive com ela, que não experimentou do mesmo sofrimento e da mesma alegria que experimento. Acredito que Deus não mandou ele fazer isso (apontando para o pastor). E eu pergunto: o senhor realmente conhece a Deus? Ele lhe passou uma procuração dando-lhe plenos direitos para acusar e julgar qualquer pessoa a seu bel prazer? Com qual autoridade o senhor me acusa de ser a encarnação do Capeta? Se é que o Capeta existe.
       Todos que ouviam caíram na gargalhada. Ele levantou a mão pedindo para continuar.
       - Vocês me conhecem a muitos anos, vi pessoas crescerem e morrerem e eu aqui, nesta praça, caminhando pelas ruas da Capital, sem nada falar, sem mexer com ninguém, apenas catando latinhas, papelão, fazendo um ou outro serviço, dormindo pelos cantos e tomando banho todos os dias.
       Outras risadas.
       - Vocês sabem que nunca fiz o mal, nem o desejei para ninguém, mesmo quando alguns jovens drogados, de madrugada, me bateram por nada, e tive que ficar meses no hospital, sem a visita, sem o cuidado de ninguém. Eu não sou o Capeta pastor, mas o senhor é. Pois não é feliz...eu sou feliz...eu sou livre. Se o fato de o senhor me ver vestido como estou, com cabelo e barba grande, mal cuidado, lhe dá o direito de acusar e julgar, então não pode ser de Deus, pois Deus nunca acusou ninguém.
       As pessoas ficaram espantadas com a firmeza e a convicção do Beato Conselheiro que ao ver o pastor e seus seguidores se retirando pois não conseguiam dar uma resposta a altura, o velho andarilho saiu gritando atrás dele:
 
       - Lembro-me das palavras do filósofo:
"Se Deus existe a solução seria Deus,
mas como Deus não existe,
o muro está próximo".
E pude formular um pensamento herético:
- o gozo espiritual é parte fundamental
da substancialidade da alma;
e para tanto é preciso alcançar
a autotranscêndencia
e penetrar no âmago do ser
para poder atingir o ápice do gozo carnal
- Não me perguntem o que é isso,
pois, depois de Sartre...
me tornei o ser e o nada!
 
       E berrou todas essas palavras até perder de vista o carro importado do pastor se afastando e sumindo.
       As pessoas aplaudiram o Beato Conselheiro que aproveitou para pedir uns trocadinhos, afinal, ele também era Filho de Deus. A gargalhada foi imediata, e a ajuda também.
       O velho beato estava muito feliz, pois viu que as pessoas agora sabiam que ele era um ser humano, não era um bicho, que havia feito escolhas: certas e erradas, e pagou caro por todas elas.
       Viu um rapaz com um violão na mão e disse que gostaria de tocar uma canção antiga, pornográfica, que havia feito quando observava a lua cheia na baia de Vitória-ES, lembrando da sua única paixão e amor, pegou o violão e tocou o velho e bom rock n roll.
       - Quero mostrar para vocês uma canção que fiz a muito tempo atrás. Ela se chama: ESTOU EM PAZ!
       Pegou o violão...deu uma tossida e mandou ver:
 
       - Eu deixei de ser punheteiro
cansei de ficar horas no banheiro
olhando seu retrato
toda nua na parede
em poses tão exóticas
baby, eu não sabia que era erótica
eu olho as minhas mãos
estão as duas caleijadas
são doenças e paixões
faz tempo que perdi a razão
eu sinto o seu corpo em mim
mas você está tão longe do jardim
você é tão bonita assim
ingênua e felina
deixei de ser down e estou aí
eu deixei de ser punheteiro
cansei de ficar horas no banheiro
se você soubesse
quantos dias fiquei sem dormir
eu queria estar aí
baby, eu queria estar dentro de ti
eu olho minhas mãos
abro os meus braços
coloco óculos e disfarço
a vida é linda
mas a sua bunda é muito mais
quando estou contigo
estou em paz!
 
       Foi aplaudido por mais de meia hora.
       Devolveu o violão ao rapaz e voltou a catar as latinhas espalhadas pelo chão.
       Dizem que depois disso ninguém mais se meteu à besta com ele, e era bem querido por todos que o encontravam.
       Nunca mais falou em praça pública ou cantou.
       Até hoje, quem ouviu, quem viu o Beato Conselheiro, entendeu que a loucura é o tesão das pessoas que se dizem normais.
       A loucura do Beato era o amor não correspondido, amor que o fez ser livre.
       Dizem que disso ele nunca abriu mão.
       Quando morreu, estava caminhando; sempre em frente...era o que dizia quando passava por alguém que sorria para ele; foi enterrado com honras de Estado, por serviços prestados aos moradores de rua, andarilhos como ele.
       Dizem que hoje em dia ainda é visto por muitas pessoas, nas noites de lua cheia caminhando pelo calçadão da baia de Vitória-ES.
 
Título: Velho Andarilho ®
Autor: Emerson Sbardelotti
27 de novembro de 2010
12:13
 
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