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Jovens Online em Cristo

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

JUVENTUDES E MEIO URBANO

JUVENTUDES E MEIO URBANO
Por José Luiz Possato‏






“Se a Juventude viesse a faltar, o rosto de Deus iria mudar...”






(Música: “O Rosto de Deus”, de Jorge Trevisol)







José Luiz Possato Junior é assessor da


PJ (Pastoral da Juventude) da ICAR


e membro do CEBI-RS
possatojr@gmail.com

Barbara Virginia Lucas é licenciada

em História, pela UNISINOS

bvlucas@gmail.com

R. Theodoro E. Seibel, 420. Feitoria.
CEP: 93052-330. São Leopoldo - RS


“Um dia resolvi desenhar uma cidade. Mais... Tentei personificá-la. Pensei nela como um todo. Dei-lhe um corpo. Imaginei seus contornos, sua voz, seu estilo, suas habilidades e competências. Para não faltar com a realidade, olhei mais de perto. Vi seus movimentos, suas cores e seu ritmo acelerado. Quis, por fim, desenhar-lhe um rosto. Que dificuldade... Precisei olhar mais de perto. E então vi uma senhora com o rosto pintado de jovem. E pensei... É este o rosto da cidade onde eu moro.”[1]







No mundo controlado pelos adultos, o “rosto que vende” é o dos jovens. Quando se olha para as cidades, parece que estamos diante de um palco, onde tudo nos bastidores é dirigido por adultos, mas os artistas, aqueles que representam, que dão rosto e expressividade, aquelas que traduzem em falas e movimentos as ideias da escritora e do diretor, são as/os jovens.







É só olhar a arquitetura e tudo o que estiver relacionado ao urbanismo contemporâneo. Há um conceito futurista no ar. Tudo parece ir ao encontro do que as/os jovens pensam, procuram, usam, curtem, enfim: tudo o que consomem. Mas será assim mesmo, ou só se está à procura da jovialidade, do que há tempos homens e mulheres intentam encontrar, a saber: a Fonte da Juventude Eterna?







A promessa de ser sempre jovem traz incluso no pacote o ser para sempre bonito, charmosa, atraente, forte, viril, ágil, livre, despreocupado/a etc. Numa palavra: Infalível. Mas será que as pessoas jovens de fato se aproveitam dessas vantagens, ou têm outras preocupações, outras realidades, outras aspirações? Estariam os adultos preocupados com o que sentem e o que pensam os jovens? E estariam os jovens engajados em satisfazer suas próprias necessidades, ou aquelas que os adultos lhes impõem? Em que as cidades contribuem para essas realizações? É possível que a Bíblia ilumine também essas situações? É sobre isso – e muito mais – que passaremos a discorrer agora.







Juventude(s): Mero conceito?







Seria a Juventude uma condição biológica? Afirma a ONU que jovem é quem tem entre 15 e 24 anos de idade. Ou será uma construção social? Vão dizer os especialistas[2] que sim. E isso por quê? Durante a Revolução Industrial (séc. XVIII e XIX), o mundo todo muda. A burguesia ascende ao poder, ganhando o que Marx chamou de luta de classes. A economia, antes essencialmente rural, começa a se concentrar nas cidades, o que provoca o êxodo massivo das famílias para os centros urbanos. A família patriarcal, feudal, cede lugar à família nuclear. Um número maior de jovens agora tem acesso aos estudos. Surgem grupos juvenis organizados e articulados. A própria palavra “Juventude” só passa a ser empregada nessa época, referindo-se justamente a esses grupos. Sendo assim, concluímos que o termo, além de recente, é próprio da/o jovem urbana/o – repetimos – enquanto grupo organizado e articulado.







Óbvio que hoje temos a juventude de periferia, do morro, da favela, a juventude rural, quilombola, indígena etc. Esses grupos não pertencem àquela juventude burguesa dos séculos anteriores; suas lutas têm motivações bem diferentes. Mas podemos considerá-los juventude porque também estão organizados e articulados. O mesmo acontece com as “tribos” de grafiteiros, do hip-hop, punks, emos, étnicas, feministas, juventudes partidárias, torcidas organizadas etc. Por isso, falamos sobre Juventudes, no plural. E olhem só... Não é esse também um traço urbano: a diversidade?







Enfim, Juventudes e Meio Urbano







Voltemos à senhora com rosto pintado de jovem. Que traços das juventudes podemos ver em nossas cidades? Pra começar, elas traduzem a alegria, a festa, o paisagismo contemporâneo, as luzes, a moda, o colorido da cidade. Traduzem também a energia necessária para superar os desafios, as preocupações, as rugas. Aliás, elas traduzem ainda os sonhos de eternidade.







A visão contemporânea de mundo é futurista. Isso podemos perceber pela arquitetura, pelas artes, pelo cinema, shoppings, pela tecnologia etc. Sendo assim, quem melhor do que as juventudes, consideradas o futuro da nação, para serem “garota-propaganda” dos tempos atuais? Mas só propaganda! Nada de protagonismos...







Nenhum outro segmento é mais elogiado, retratado e perseguido pelos meios de comunicação de massa do que a juventude. Bom... Nem todo tipo de juventude, na verdade. Têm indiscutível preferência as/os jovens que são ideais de beleza, dinamismo, astúcia, aventura, humor, ação, velocidade, flexibilidade, paixão, fúria, enfim... As mocinhas e os galãs de Hollywood. Outro grupo preferido é aquele que, em tempos de constante mudança, tem o pique necessário para acompanhar o progresso. Ninguém é melhor do que esse grupo para dominar a tecnologia virtual (internet, celulares, MP5, ipod, iphone, playstation 2, wireless etc.).







Em geral, a juventude é tão ágil, esperta, sedutora, indomável, que muitos a chamam de “espírito de liberdade”. Lindo título, mas nada mais contraditório do que um espírito de liberdade aprisionado. Enquanto grupos adultocêntricos determinam que tipo de liberdade querem para as/os jovens, mantêm as características próprias – e indesejáveis – das juventudes (a saber: espírito revolucionário, questionador, aberto à novidade) sob controle.







Por outro lado, há quem chame a juventude por outros nomes. Nas missões de “paz”, ela é o pelotão de frente, a primeira a “morrer pela pátria”. No tráfico de drogas, ou ela é usuária, ou traficante. No jogo do poder, ela é ingênua demais para assumir cargos importantes; mas é útil como massa de manobra. No trânsito, parece até que só ela é imprudente. Trabalho??? Só na Igreja e demais instituições onde seja necessário alguém para carregar bancos. Obviamente, sem remuneração. Para os demais cargos, seja em que instituição for, não há vagas. Isso porque dizem que ela é desprovida de experiência.







Diante desse quadro, arriscamos dizer que há um desejo de apropriação muito forte dos aspectos juvenis geradores de força e poder, mas ao mesmo tempo um medo muito grande de que os jovens descubram ter esse poder. Afinal, a juventude privilegiada continua sendo burguesa, bonita, saudável, exemplar... Exemplar? Isso mesmo!!! Os jovens da TV são exemplos de comportamento, ou seja: absolutamente dóceis ao comando dos adultos e controlados pelos pais, professores e superiores hierárquicos.







Quem sai desse padrão, é facilmente transformado em irresponsável, delinquente, marginal. Uma turma de jovens brancos, parados numa esquina, bem vestidos, não transmite nenhuma insegurança à população. Agora, basta dois jovens negros, com roupa de motoqueiro (provavelmente trabalhando), parados, conversando, para que a vizinha da frente ligue imediatamente para a vizinha do outro lado da rua e comunique a “atividade suspeita”.







Em casa, o filho resolve torcer para um time diferente daquele preferido pelo pai, ou a filha resolve seguir uma carreira que não foi planejada pela mãe. Qual a atitude da maioria dos pais? Muitas pessoas têm que fazer terapia para se livrar da “culpa” de ter decepcionado os pais, quando na verdade estavam procurando seu próprio caminho.







Se em casa, com uma carga emocional muito forte, a relação entre adultos e jovens já é tensa, o que dizer das relações sociais onde o adulto não tem vínculo afetivo com o jovem? É o chefe que orienta a estagiária, o sargento que manda no soldado, a professora que educa o aluno etc. Quem está sempre em condição inferior?







Há um padrão a ser seguido! Como bem lembrava Renato Russo, vocalista de uma banda de rock muito querida pelas/os jovens da década de 80, há uma pergunta a ser respondida: “O que você vai ser quando você crescer?” Ninguém quer saber da/o jovem o que ela/e é agora!







O/a leitor/a pode dizer que estamos falando o óbvio; e estamos! Mas vejamos alguns dados:







“Pesquisa recentemente divulgada pela Unesco no Brasil mostra que em 2002 a taxa de homicídios na população jovem foi de 54,5 para cada 100 mil, contra 21,7 para o restante da população. E o que é mais grave: enquanto as taxas referentes ao resto da população tem se mantido relativamente estáveis desde 1980, no segmento juvenil pulou de 30 naquele ano para os 54,5 de hoje”.[3]







Haverá alguma ligação entre esses números e as obviedades às quais estamos nos referindo?







Aliás, os jovens, em especial os mais pobres, estão associados à violência, segundo o veredito popular. Hollywood mostra isso muito bem, em seus filmes de gangues. O congresso brasileiro também, na medida em que está prestes a reduzir a maioridade penal, de 18 para 16 anos, no intuito de diminuir a criminalidade no país. Não é isso o mesmo que dizer que a culpa da violência é dos jovens?







Mas será que essa violência é gratuita, uma iniciativa dos próprios jovens, ou serve aos interesses de alguém? Haveria algum grupo manipulando a massa juvenil para que se mantenha em “pé-de-guerra”? Afinal, muitos dos atos são em grupo, entre facções, entre torcidas organizadas, entre grupos rivais, alguns armados de paus e pedras, outros possuindo uma verdadeira artilharia pesada. Seriam os próprios jovens os patrocinadores dessa violência, desse armamento, dessa verdadeira guerrilha urbana?







Alguns dirão que o verdadeiro vilão, o causador disso tudo, é a droga. Mas quem é essa tal de droga? Alguém aí já apertou a mão dela, já conversou pessoalmente com ela? Como ela vai parar na mão do traficante? Por que a fiscalização, a investigação, o trabalho de inteligência e segurança e todos os mecanismos de combate à droga são tão ineficazes? Estaria alguém fazendo vistas grossas para o trânsito dessa mercadoria? A troco de quê?







Diante disso, é preciso perguntar: É da índole jovem o ser violenta/o? Ou então: A violência é exclusividade dos jovens? Provocados a responder, diremos que não! Mas então por que a maioria dos presos é jovem? E por que a maioria dos jovens presos é de afro-descendentes? E por que a quase totalidade dos presos é pobre?







As outras duas grandes preocupações dos jovens (além da violência) são a sexualidade e o trabalho. Mães solteiras, HIV-AIDS, camisinha, aborto... Primeiro emprego, experiência comprovada, estágio não (ou mal) remunerado... Não vamos nos alongar na discussão de mais esses itens. Voltaríamos a falar de obviedades. Basta dizer que, apesar de serem óbvias, as situações de exploração, exclusão, marginalização e criminalização das/os jovens continuam, são evidentes e, muitas vezes, endossadas por pessoas “esclarecidas” como nós. Com alguma freqüência, pessoas que se dizem libertadoras, acusam as/os jovens de omissão, comodismo, apatia, inexperiência, violência, irresponsabilidade... E alegam que a culpa dos desvios dessa geração se deve à sua total alienação política, social e religiosa.







Mas será este mesmo o retrato da juventude atual? Será mesmo esta uma geração de alienados? Vejamos outros números[4]:







As estatísticas (da pesquisa já citada da Unesco) mostram que os jovens estão identificados com os ideais de solidariedade, respeito às diferenças e igualdade de oportunidades (esse tipo de preocupação combina com perfis violentos?). 83% se posicionam politicamente (alienados/as?). 84% dos jovens acreditam que podem mudar o mundo (acomodados/as?).







Não podemos deixar de registrar também estes números: Embora 84% dos jovens acreditem que podem mudar o mundo, somente 22% fazem ou querem fazer alguma coisa. Seria isto sinal de comodismo, ou há outras causas?







“A resposta está, provavelmente, na pobreza de grande parte dos jovens brasileiros. Pelos dados da pesquisa do Projeto Juventude, 42% dos jovens vivem em famílias com renda de até dois salários mínimos e outros 31% em famílias com dois a cinco salários mínimos de renda... Por mais que os jovens nesta situação acreditem que a juventude pode mudar as coisas, eles sabem que têm que cuidar antes da própria sobrevivência, evitando serem tragados pela violência criminosa ou mergulhando nela, como tentativa menos pior.”[5]







“A juventude deseja ajudar o mundo a mudar e pensa em fazê-lo menos mediante a militância política do que pela ação direta. Mas a maior parte dela, antes de poder contribuir para a mudança, tem de ser ajudada... O que o “Perfil da Juventude Brasileira” deixa entrever é que os jovens brasileiros irão à luta por um Brasil melhor desde que obtenham as bases materiais mínimas de sobrevivência. Esta deveria ser a prioridade zero de qualquer programa público para a juventude, porque o futuro do país pode vir a depender dele.”[6]







Como podemos perceber, as/os jovens não são acomodadas/os, nem desinformadas/os. Eles são pressionados pelo sistema a deixar de lado suas reivindicações para providenciar o seu sustento, ou contribuir no sustento da família, ou ainda garantir o sustento de seus dependentes.







E no campo do Sagrado?







Também não é verdade dizer que falta religiosidade aos jovens de hoje. Vejamos:







Segundo pesquisas[7], podemos perceber o aumento da diversidade religiosa (de 99% de jovens católicos em 1890 para 73,6% em 2003), dos crentes sem religião e a centralidade da Bíblia na espiritualidade da juventude. Isso mostra que, longe de ser uma geração descompromissada religiosamente, trata-se antes de jovens preocupados/as com uma fé para além das instituições e em busca do sagrado.







Sabendo que fora das instituições não há como controlar um grupo – na medida em que esse grupo não se vê obrigado a seguir as regras institucionais – muitos líderes religiosos tendem a também marginalizar esses jovens, chamá-los de tolos, ingênuos, infiéis... Em vez de entender a rebeldia (que parece, mas nunca é gratuita), mais uma vez o adulto racionaliza e elege o jovem como problema. Também... Quem manda questionar as convenções milenarmente estabelecidas?







Eis uma ótima discussão a ser feita em nossas comunidades: Até onde os jovens são descompromissados com as liturgias, as festas, o bingo, o dízimo e os demais eventos da comunidade? E até onde sua rebeldia revela a discordância com o modelo vigente de evangelização de nossas igrejas?







Mas vamos, enfim, partir para a constatação que mais nos interessa no presente artigo: a centralidade da Bíblia na espiritualidade juvenil.







E por falar em Bíblia...







E a Bíblia? Será que ela pode ajudar as juventudes a se libertarem de todas essas amarras da sociedade? Se olharmos a leitura tradicional e as/os jovens na Bíblia, não! Esse, inclusive, pode ser o principal motivo de historicamente as juventudes terem reservas quanto à Palavra de Deus. Além de ser um instrumento dos adultos para castrar, impor limites aos anseios juvenis, as personagens jovens mencionadas na Bíblia são pessoas inexperientes, ou vítimas indefesas, dependentes da intervenção/libertação dos adultos, ou ainda guerreiros (notem o termo no masculino) que se tornam heróis mais por encarnarem os valores e os costumes adultos do que pelos seus feitos.







É certo dizer que o conceito de “juventude” é uma construção sociológica recente (como vimos acima) e, consequentemente, um termo desconhecido da época redacional da Bíblia. Mas isso não quer dizer que as pessoas não se organizassem em grupos. Lá, como cá, esses grupos se reuniam por afinidades, como classe social e faixa etária.







Vejamos alguns exemplos do Primeiro Testamento:







Em 1Rs 12,1-16 temos as causas da divisão do Império salomônico. O jovem Roboão ouvira as reclamações do povo, que considerava pesado o fardo imposto por seu pai, Salomão. Os anciãos aconselharam o rapaz a ser inteligente: ceder agora para reinar tranqüilo depois. Mas o conselho não agradou a Roboão, que instituiu novos conselheiros: seus colegas de infância (v. 8). Esses lhe disseram: “Torne o jugo ainda mais pesado do que fizera teu pai, que eles se curvarão”. Agora sim estava do jeito que Roboão queria; e foi o que ele fez. Com muita ironia, dizia ele que seu dedo mínimo era mais grosso do que os rins de seu pai. Resultado: “Voltemos às nossas tendas, Israel! Cuida da tua casa, Davi!” (v. 16).







O texto é uma crítica ao sistema monárquico, assim como muitos outros textos dos livros de Reis. A proposta de resistência fica bem clara no v. 16: “Já tivemos uma experiência monárquica, quando habitávamos o Egito; e não foi nada boa. Voltemos ao período das tendas, ao Israel tribal, à novidade que liberta.” Apesar de ser uma ótima proposta, o que aconteceu com a divisão do Império salomônico não foi o fim do sistema monárquico. Em pouco tempo, também as tribos do Norte foram submetidas a novo regime monárquico. Entretanto, o que chama atenção, dentro do que estamos analisando, é que a decisão de endurecer ainda mais a opressão sobre o povo não foi exclusiva do rei, mas de um grupo de jovens. Claro que sua condição juvenil não foi o fator determinante para essa manobra desastrada; pesou antes o poder da coroa. Todavia, o que queremos ressaltar é que, embora não existisse “juventude” enquanto conceito, havia sim grupos de jovens. Alguns, com poder de decidir o rumo de uma nação.







Outro grupo juvenil é o das vítimas indefesas, dependentes da intervenção/libertação dos adultos, como as mães solteiras, as jovens estupradas. É o caso de Diná, estuprada por Siquém (Gn 34,1-2). Diz a história que Siquém se apaixona por Diná, depois de tê-la violentado, e os irmãos e o pai dela fingem permitir o casamento, mas depois passam todos da casa de Siquém ao fio da espada (Gn 34,1-31). Nessa história trágica, os sentimentos de Diná são o que menos importa. Ela se enamorou de Siquém? Aprovou a barbárie que cometeram seus irmãos? Foi consultada sobre como se sentia?







Bem é verdade que outros jovens são tidos como heróis na Bíblia: Daniel e seus companheiros, os três jovens que desafiam Nabucodonosor e são jogados numa fornalha, mas não morrem queimados (Dn 3), os sete filhos que preferem a morte a comer carne oferecida aos ídolos (2Mc 7), Ester, Rute, Tobias, José e os reis Davi e Salomão, entre outros. Mas por que se tornaram heróis? Por serem jovens conscientizados, politizados, ativos na sociedade, ou por defenderem os valores morais e os princípios propostos por uma elite política, sacerdotal, patriarcal, adultocêntrica?







Davi, por exemplo! Por que motivo foi considerado um jovem exemplar? Aliás, Davi é muito mais elogiado pelos feitos da juventude do que pelos decretos reais de sua idade adulta. Mas que feitos são esses? Ora, Davi foi um herói de guerra (1Sm 17)! Sua grande glória foi ter matado um homem (Golias). Aí sua reputação ganhou força para levá-lo a derrubar Saul e se tornar o rei e futuro imperador de Israel.







Olhemos os heróis de guerra de hoje. Quem são eles, senão pessoas que na juventude abriram mão de seus ideais para defender a pátria, cuja soberania foi ameaçada por disputas de poder, embates provocados por líderes nacionais, senhores de 60, 70 anos de idade, ou mais? Davi teria matado Golias porque é próprio do jovem o ato de matar? Tudo bem... O jovem é capaz de matar... Mas Davi o matou por seus interesses juvenis? Não foi Saul que marchou contra os filisteus (1Sm 17,2)? Por que não foi Saul o autor do disparo? Ele estava lá! Não teria ele próprio oferecido sua armadura para proteger Davi (1Sm 17,38)?







Aqui cabe um parêntese, sobre a manipulação da força juvenil. Para animar seus soldados, nas duas guerras mundiais (principalmente na segunda), os EUA criaram super-heróis. Eram jovens com super-poderes, que enfrentavam as forças do mal (traduzindo: os que estavam do outro lado das trincheiras), usando somente uma capa e uma máscara. Os feitos heróicos de Davi, jovem e franzino, vencendo Golias, tinham a mesma função. Já na corte salomônica foram escritas histórias para justificar as expedições violentas dos exércitos de Davi e Salomão, cuja motivação única era expandir o seu reinado e torná-lo um império. É desse tempo a primeira redação do livro de Josué[8]. Ora, mostrando que a expansão era vontade de Javé e que a principal força de guerra vinha dos mais jovens, Davi conseguia manter seu exército poderoso e motivado. Quem sofria com isso? O povo como um todo, é claro! Mas quem ia para a frente de batalha? E tinham que ir... Era a vontade de Javé.







Sobre a visão negativa das juventudes, há um livro em especial, que não encontramos na Bíblia Hebraica, o Eclesiástico, ou Sirácida. O livro foi escrito originariamente em hebraico, no auge da dominação grega, por Jesus Ben Sirac, que vendo a cultura de seu povo ser suplantada pelo helenismo, resolveu escrever uma defesa dos costumes judaicos. Tendo se perdido o texto original, o que chegou até nós foi uma tradução para o grego, feita pelo neto do autor com o intuito de fazer perseverarem na Lei os judeus da diáspora (Eclo, prólogo, vv. 34-35).







O elogio ao sacerdote Simão II (penúltimo da linhagem sadoquita), em Eclo 51,1-21, e a identificação da sabedoria (tema do livro) com a Lei de Moisés (Eclo 24,23-29), aliados à importância dada ao Templo e ao culto (Eclo 7,29-31; 50,1-21), levam-nos a crer que o autor pertenceu à elite sacerdotal de Jerusalém.







Para se opor às escolas filosóficas, principais promotoras da cultura helênica, implantadas pelos gregos em todas as suas províncias, os judeus criaram escolas onde as/os jovens aprenderiam a tradição do judaísmo. É bem provável que Jesus Ben Sirac tivesse sua própria escola (Eclo 51,23). A iniciativa era válida e necessária para reavivar a consciência histórica do povo, mas carregava infelizmente as limitações da elite sacerdotal, como a xenofobia, o patriarcalismo e o conservadorismo extremado[9].







Como as escolas filosóficas priorizavam as/os jovens, teoricamente mais suscetíveis à inculturação dos costumes gregos, estas/es mereceram severas reprimendas do autor. Vejamos alguns exemplos[10]:







ü Eclo 9,5: Não fites uma jovem, para não ser pego na armadilha quando ela espiar (ou, como diz na nota de rodapé: “para não ser punido com ela”);



ü Eclo 30,11-12: Não lhe dês liberdade na juventude e não feches os olhos diante de suas tolices. Obriga-o a curvar a espinha na sua juventude, bate-lhe nos flancos enquanto ainda é menino; do contrário, uma vez obstinado, te desobedecerá e tu experimentará o sofrimento.



ü Eclo 32,7: Fala, ó jovem, se te é necessário, se fores interrogado ao menos duas vezes.







Ser jovem, no período retratado pelo Primeiro Testamento, realmente não era fácil. Até mesmo Eclesiastes, ou Qohelet, um livro revolucionário em vários sentidos, tem lá suas ressalvas:







ü Ecl 11,10: Afasta do teu coração o desgosto, e o sofrimento do teu corpo, pois juventude e cabelos negros são vaidade.







E no Segundo Testamento?







Será que a situação das juventudes melhora quando Jesus entra em cena? Vemos Jesus curando alguns deles: Ressuscita a filha de Jairo, chefe da sinagoga (Mc 5,21-24.35-43); ressuscita também o filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17). Ele mesmo aparece, aos 12 anos, debatendo de igual para igual com os Doutores da Lei (assuntos juvenis?). Tem o jovem rico, que cumpria as leis, mas não tinha capacidade de se desfazer do dinheiro. Mas ele só é jovem em um dos evangelistas (Mt 19,16-22); nos demais, é um adulto que observa a lei desde a juventude (Mc 10,17-22; Lc 18,18-23). Em todas as situações, o jovem precisa ser salvo, liberto, ajudado. Difícil é encontrar um/a jovem, explicitamente mencionado em sua condição de jovem, sendo protagonista.







Em Atos, nas cartas e no Apocalipse, a situação não muda muito. O tratamento destinado à juventude continua o mesmo. Com uma boa vontade tremenda podemos deduzir que Maria era jovem quando concebeu Jesus (a Bíblia não diz), que alguns dos discípulos de Jesus eram muito moços quando Ele os chamou (segundo a tradição, João teria 18 anos). Mas ser jovem parece não ter tido muita importância na compilação dos relatos.







Teriam os autores bíblicos ignorado a importância da juventude? Há um rito judeu – o bar mitzvá – pelo qual todo menino judeu passa (ainda hoje), aos 12/13 anos. É o rito de passagem da infância direto para a idade adulta. Sendo assim, à época da redação, não existiria a juventude como categoria social, mas somente como fase biológica. A partir dos 13 anos e 1 dia, o menino era um homem. Por isso fala-se de Jesus aos 12 anos; aos 12 anos também é curada a filha de Jairo. Ambos estão no período da passagem, estão se preparando para ser adultos.







Quando se diz, declaradamente, nos textos bíblicos, que a pessoa é moça, nova, de pouca idade, é porque se quer enfatizar a pouca experiência, a ingenuidade, a falta de discernimento de tal pessoa. Ou então, como nos casos dos jovens heróis, é para mostrar que Deus pode suscitar atos de bravura mesmo em pessoas ainda imaturas para a vida pública. Ou ainda para encorajar outros jovens a cometer atos de bravura pelo seu país (nada diferentes das propagandas das Forças Armadas hoje).







Por uma leitura juvenil da Bíblia







Fica evidente que, se procurarmos a/o jovem na Bíblia, vamos reforçar os preconceitos de nossa sociedade, ou iremos adotar uma postura de salvadores de uma geração à deriva. Assim sendo, contribuiremos para manter a filha de Jairo (= jovem) deitada, dada como morta, amordaçada, infantilizada, mantida sob controle, totalmente dependente, à espera da intervenção salvadora dos adultos.







Mas se, em vez disso, deixarmos que a própria juventude se interesse pela Bíblia, apodere-se dos textos, produza uma hermenêutica juvenil, qual será o resultado? Mais do que isso... Também nós, adultos, podemos nos esforçar, principalmente se julgamos fazer uma leitura libertadora da Bíblia, por ler os textos acolhendo também a prespectiva juvenil. Se, por exemplo, retomarmos 1Rs 12,1-16 e percebermos que, apesar de Roboão e seus conselheiros serem jovens, o que representavam era uma volta ao antigo, ao velho, ao sistema monárquico egípcio, enquanto as tribos do norte (haveria jovens entre eles? somente jovens?) queriam o novo, a novidade do sistema tribal, estaremos contribuindo para uma leitura juvenil.







Aliás, estaremos proporcionando uma leitura que ultrapasse a dicotomia jovem-adulto, que em vez de promover as juventudes, acirra ainda mais os ânimos e o antagonismo entre gerações. Sim, este é um risco! Para se libertar de uma leitura adultocêntrica, as juventudes podem inconscientemente reproduzir o sistema excludente e deixar as/os adultos de lado. É preciso que ambos se libertem.







Lemos acima que a Bíblia, apesar dos pesares, é central na espiritualidade das juventudes. Que tipo de leitura elas estarão fazendo? Pelo que vimos, o interesse certamente não se deve à identificação com as/os jovens que aparecem nos textos.







Em nossas experiências, vemos que as juventudes não aceitam as interpretações tradicionais das Escrituras. Estão sempre em busca de alternativas para ligar os textos à sua realidade, mesmo que muitas vezes façam uma verdadeira ginástica mental para alcançar seus objetivos; criatividade não lhes falta.







Sendo assim, por que não recriar as relações, libertar sim as/os jovens do peso da discriminação, mas também nos libertar, como adultos, do peso do preconceito, da falta de misericórdia que nos impede de reconhecer o amadurecimento como um processo a percorrer, feito por etapas, e que as juventudes podem ser inexperientes por terem percorrido um trecho menor, mas com certeza têm muito a oferecer, com seu dinamismo e santa rebeldia?







Talvez falte orientação – e aí nós adultos podemos ajudar –, mas não nos esqueçamos de que eles também possuem necessidades específicas, sonhos, ideais, uma realidade própria. E que é com essas propriedades que devemos ir com eles às Escrituras, para juntos trazermos de lá luzes que transformarão definitivamente as estruturas e dignificarão a vida, não só do jovem urbano, mas das juventudes em geral.







É assim que entendemos a parábola do Pai Misericordioso (Lc 15,11-32). O filho mais novo representa a juventude, rebelde, teimosa, sem medo de arriscar. O filho mais velho são os adultos, superiores, estáveis, prudentes. Ambos estão errados, um por não querer a graça de estar diante do Pai, o outro por achar que só ele tem direito, que estar na plenitude é viver como ele, cultivar os valores dele. E o Pai abraça a ambos, faz festa para todos. A parábola não diz se os irmãos se deram as mãos. Será que não está a nosso cargo fazer o final da história?







Concluindo: “É de sonho e de pó...”







Queremos concluir falando de utopias. Falemos de dois jovens do Primeiro Testamento: José (filho de Jacó) e Daniel (profeta do livro de mesmo nome). O que eles têm em comum? A capacidade de decifrar os sonhos.







José vai parar no Egito porque seus irmãos ficam com inveja e ódio dele e de seus sonhos (Gn 37). Por causa de uma armadilha, José vai parar na cadeia (Gn 39). Faz amizade com os colegas de cela e interpreta seus sonhos (Gn 40). Um dos colegas é liberto do cativeiro e volta à função de funcionário do faraó, que também tem um sonho. Ninguém consegue explicar que sonho é este, mas o funcionário se lembra de José e sugere ao faraó que consulte o prisioneiro; é o que faz o faraó (Gn 41). José não só explica o sonho como acaba se tornando o vice-rei, ou primeiro-ministro de então.







Pena que deste dom de interpretar sonhos José se aproveite para escravizar todos os povos da região, inclusive seu pai e irmãos (Gn 47,13-26). Mas uma coisa não podemos negar: através dos sonhos, José sabia muito bem ler a realidade. Ironicamente, os jovens são acusados de sonhar acordados, ou de ser sonhadores. Há, inclusive, um ditado que diz: “Enquanto o jovem sonha, o adulto se mantém acordado”. Mas não foi através dos sonhos que José viu a realidade?







Vamos para Daniel (Dn 2). Enquanto o faraó, na história de José, parecia ser bem benevolente, tanto que se dispôs a ouvir um preso, Nabucodonosor não parece nada amigável. Ele tem um sonho e quer que os sábios adivinhem o que ele sonhou. Como ninguém da corte consegue fazer isso, Nabucodonosor manda matar todos os magos e adivinhos da Babilônia. Daniel pergunta ao chefe da guarda real o que está acontecendo e este explica a situação. Daniel pede uma audiência e promete adivinhar o sonho do rei, fazendo questão de dizer que isso não era habilidade dele, mas ação do Deus de Israel. Ele consegue adivinhar o sonho do rei e este se prostra, convencido de que Javé é o Deus verdadeiro, o único Deus.







Ora, o Nabucodonosor histórico nunca fez isso, mas interessa perceber que também Daniel decifra sonhos. E que com isso ele consegue transformar a realidade. Esta é a função dos sonhos, das utopias. Não se trata de viver alienado, mas de projetar um futuro melhor e seguir em busca dele. Embora os dois casos citados mostrem a habilidades individuais de interpretar os sonhos, obviamente José e Daniel são símbolos de um povo. Então são sonhos que se sonha junto. É preciso sonhar, é preciso ter utopias. São elas que transformam a realidade. E a realidade de nossas juventudes só irá mudar quando não tivermos medo nem vergonha de sonhar; e sonhar alto.







Uma dedicatória







Por fim, queremos dedicar este artigo a todas as tribos juvenis, mas especialmente ao Padre Gisley, Assessor Nacional do Setor Juventude da CNBB e líder do movimento “Juventude em Marcha contra a Violência”, morto dia 15 de junho deste ano, por 4 jovens que queriam roubar seu automóvel, um deles com menos de 18 anos...







É irônico que uma liderança engajada na luta contra a redução da maioridade penal tenha morrido assim. Mas o pior é que o fato virou argumento a favor dos reducionistas. Oremos para que os nossos jovens consigam se desvencilhar desta armadilha e que a morte de Padre Gisley não tenha sido em vão.







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[1] POSSATO JR., José Luiz: Entreter ou controlar?. Disponível em; http://osperegrinos.blogspot.com/2009/08/entreter-ou-controlar.html. Acesso em: 02/09/2009.







[2] Ver Intr. de DICK, Hilário. Gritos Silenciados, mas Evidentes – Jovens Construindo Juventude na História, pág. 13 a 27. Ed. Loyola, São Paulo, Brasil, 2003.



[3] Citado no artigo de SINGER, Paul: A Juventude como Coorte. Ver em: ABRAMO, Helena Wendel e MARTONI BRANCO, Pedro Paulo: Retratos da Juventude Brasileira, pág. 29. Ed. Fundação Perseu Abramo, São Paulo, Brasil, 2005.



[4] Os dados foram extraídos do artigo de SINGER, Paul: A Juventude como Coorte, op. cit., pág. 27 a 35. Os parênteses são nossos.



[5] Citado no artigo de SINGER, Paul, op. cit., pág. 35 – 1º parágrafo.



[6] Citado no artigo de SINGER, Paul, op. cit., pág. 35 – 4º parágrafo.



[7] Confira o artigo de RODRIGUES, Solange dos Santos: Nova Trindade – Busca, Fé e Questionamento. In: Revista Ciência & Vida – Sociologia: Especial sobre Juventude Brasileira, ano1 nº 2, pág. 64 a 73. Ed. Escala, São Paulo, Brasil, 2009.



[8] Ver: BOHN GASS, Ildo. Uma Introdução à Bíblia – Formação do Império de Davi e Salomão. Ed. CEBI, São Leopoldo, Brasil, 2003.



[9] Ver: BOHN GASS, Ildo. Uma Introdução à Bíblia – Período Grego e Vida de Jesus. Ed. CEBI, São Leopoldo, Brasil, 2005.



[10] Utilizamos a tradução da BÍBLIA JERUSALÉM.

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